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Tales de Mileto

Tales de Mileto (+ - 624 AEC – 546 AEC) foi o primeiro a postular um princípio único constitutivo de tudo que existe. Para Tales, a água era o princípio absoluto de tudo, explicando, através dela, os tremores de terra. Tratou a alma como o princípio do movimento e, portanto, comum a todas as coisas ou seres que se movem. Mário José dos Santos, em “Pré-socráticos”, Editora UFJF (2001), argumenta que o nascimento do pensar filosófico ocorre aí porque um princípio único, sempre idêntico, permanece apesar das transformações do mundo visível. Não há a postulação de gerações e filiações como nas Teogonias. “O procedimento racional de Tales indica o momento em que se faz a passagem do Mito ao Logos”.

Trata-se de um pensamento fundado na razão pela razão. Para Tales, a água é o princípio que rege a mudança e o devir, transforma-se em tudo e a tudo pode dissolver. Tales denomina esse poder de Physis/Natureza, tomando, aqui, Natureza numa acepção mais ampla que estaque nos é contemporânea. “Para o fundador da filosofia, a Natureza (physis) é o princípio Divino. A natureza tem em si mesma (é sua estrutura) as características do Divino (causa, governa, orienta e mantém o universo) e a realidade, na sua totalidade, outra coisa não é senão a manifestação do Divino (Natureza = Physis)...

Tales entende e propõe o divino tão somente, nos limites da sua visão naturalista, como a realidade primeira e última de todas as coisas, como o início do qual tudo procede, tudo é governado e no qual tudo se resolve” (SANTOS, 2001, 26-27). Nesse sentido, Hegel, no texto “Preleções à História da Filosofia”, em “Os Pré-Socráticos: Heráclito”, Editora Abril Cultural (1973), nos mostra que a proposição de Tales enfatiza a falta de autonomia da existência singular, o fato afirmativo de que o um é gerador de todo o resto. “Temos esta consciência – ... – de reconhecer algo universal para as coisas singulares; mas a água também é uma coisa singular. Aqui está a falha; aquilo que deve ser verdadeiro princípio não precisa ter uma forma unilateral e singular, mas a diferença mesma deve ser de natureza universal... A passagem do universal para o singular é, portanto, um ponto essencial e ele entra na determinação da atividade: para isto existe então a necessidade ” (HEGEL, 1973, 203-205).

Nietzsche aborda o pensamento pré-socrático na compilação “A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos” em “Os Pré-Socráticos: Heráclito”, Editora Abril Cultural (1973). Ele afirma que é importante tomar a proposição da água como origem de tudo por três motivos. Primeiro, porque ela enuncia alguma coisa sobre a origem; segundo, porque isso é feito sem fabulações; e, em terceiro, porque nela já está implícito o pensamento de que ‘tudo é um’. Em razão desta última, Tales pode ser reconhecido como o primeiro filósofo grego. “... o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor – a proposição “Tudo é um” ” (NIETZSCHE).

Sobre a construção do pensamento filosófico, Nietzsche elabora bela metáfora sobre como o pressentimento e a fantasia põem asas nos pés da filosofia. Essa aliança, defenestrada pelo empirismo positivista tacanho, é motriz do pensamento de Tales e vai marcar a filosofia de tempos em tempos. Esclarecendo, Nietzsche diz textualmente: “... a fantasia tem o poder de captar e iluminar como um relâmpago as semelhanças: mais tarde, a reflexão vem trazer seus critérios e padrões e procura substituir as semelhanças por igualdades, as contiguidades por causalidades ” (NIETZSCHE).

Mesmo que derrubemos a proposição de que “Tudo é água” fica algo, ‘uma força propulsora’, algo como “Tudo é X”. O valor de Tales está em buscar construir um conhecimento não-místico e não-alegórico. “Tales é um mestre criador, que, sem fabulação fantástica, começou a ver a natureza em suas profundezas. Se para isso se serviu, sem dúvida, da ciência e do demonstrável, mas logo saltou por sobre eles, isso é igualmente um caráter típico da cabeça filosófica. A palavra grega que designa o ‘sábio’ se prende, etimologicamente, a “sapio”, “eu saboreio”, “sapiens”, “o degustador”, “sisyphos”, “o homem do gosto mais apurado”” (NIETZSCHE).

Mais ainda: “E assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são apenas o balbucio em um língua estrangeira, para dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamente, só poderia anunciar pelos gestos e pela música, assim a expressão daquela intuição filosófica profunda pela dialética e pela reflexão científica é, decerto, por um lado, o único meio de comunicar o contemplado, mas um meio raquítico, no fundo uma transposição metafórica, totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes. Assim, contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e quando quis comunicar-se falou da água!”(NIETZSCHE).

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